a propósito dum cabelo grisalho que comigo se cruzou

a minha memória visual dá-me instantaneamente um flash dos teus cabelos grisalhos. Mas o que retenho são os teus olhos (oceanos). Nunca gostei de olhos claros (assustam-me) excepto os teus. Mas os teus não são olhos, são oceanos de ternura.
O sexo era bom, com a tua voz rouca a murmurar obscenidades esquecidas instantaneamente, mas o que sinto falta é da ternura nos teus olhos, esse oceano que transbordava. E das tuas opiniões de amigo. É por isso que é fodido rever-te. Ainda que com óculos escuros, a voz nunca disfarçarás. Fazes-me lembrar o padre Ambrósio, a quem confessei um dia o pecado de bater ao meu irmão. O padre Ambrósio nunca me julgava (às vezes carregava na quantidade de pai-nossos) e escutava-me atentamente. Não desperdiçava uma palavra, não usava frases ocas de sentido, tão metafóricas que ninguém percebe, tão filosóficas quanto ininteligíveis). Tudo o que dizias era parco, para não gastares a tua voz rouca (tão doce, tão forte, tão meiga).

Isto vai ficar incompleto, como nós. Como a minha fé, uma manta de retalhos falhada, cosida com fio d'ouro que se parte a toda a hora, por todo o lado