há dias em que não queres ser nada

há-de haver dias em que não queres ter qualquer ligação ao mundo. há-de haver dias em que não queres ter mãe e outros em que não queres ser mãe. Há dias em que não queres ser tia, irmã, amiga, prima, o  raio que os parta a todos. há dias em que não queres família, nem de sangue nem de coração e choras baixinho sozinha porque queres desaparecer um bocado, só um bocado, só o tempo suficiente para não seres nada, para seres tu e para estares só contigo. só o suficiente para ninguém te chamar nem pelo nome, para ninguém perguntar por ti, para ninguém te telefonar. há destes dias em que te apetece morrer um bocadinho, só para que ninguém saiba que és viva, só para que ninguém te ligue, só para que vão todos para a puta que os pariu. 

nestes dias chora um bocado, atende o telefone e finge que és tu. finge só um bocado, nunca mostres que és mesmo tu senão vais chorar mais e mais a seguir ao telefonema. finge. só nestes dias, entendes?

quando não conseguires aguentar, manda-os para a puta que os pariu. assim, simples. vais chorar a seguir também, mas pelo menos vais sentir-te liberta e má, incrivelmente maléfica. a doce mágoa da verdade a trespassar todo o cinismo dessa puta dessa gente que não te merece vai-te fazer encolher como uma lagarta e vai-te revirar as entranhas. faz parte do processo. aguenta.

amanhã não atendas o telefone. aprende a não ser nada de vez em quando.